Um dos momentos mais esperados e marcantes dos esportes americanos com certeza é o draft, e em especial o draft da NFL. Diferentemente do formato que estamos acostumados no futebol, com rebaixamentos e acessos, as ligas americanas possuem a característica de serem uma competição fechada, sem a alternância de equipes em razão de desempenho, já que são, no fim, torneios privados, cujos times são todos propriedades, franquias que pertencem a pessoas físicas. Assim sendo, uma das formas de buscar o equilíbrio entre as equipes é permitir que a escolha dos “recrutas” siga na ordem inversa à classificação na temporada anterior. Usando a temporada recentemente finalizada como referência: os atuais campeões Kansas City Chiefs terão direito a última escolha (32) de cada rodada (7) de escolhas, ao passo que os Carolina Panthers, equipe com a pior campanha, terão as primeiras escolhas de cada rodada. As escolhas, chamadas de “picks” no vocabulário normal, também são consideradas capital das franquias, podendo ser objetos de trocas entre elas. O próprio Panthers não possui essa sua 1ª escolha geral do draft, já que ofereceu ano passado esta e outras várias para subir para a primeira escolha em 2023 e selecionar Bryce Young.
Feita essa introdução, vamos adentrar em como o draft reflete no mercado de apostas. Primeiramente, é preciso saber que, quanto mais próximo do evento, mais concreta é a percepção dos jogadores que sairão nas escolhas iniciais. As informações transitam pelos bastidores, membros da comissão técnica e administrativa das equipes acabam soltando sem querer ou por querer dicas do que estão pensando, jornalistas conseguem furos, jogadores acabam entregando informações que deveriam ser internas, enfim. Os períodos que antecedem ao draft sempre são recheados de notícias, pareceres e posições, as quais, no fim do dia, dão uma boa ideia de como irá iniciar o processo. No entanto, o draft de 2024, que está marcado para iniciar em 25 de abril, está longe o suficiente para várias dessas informações serem ainda especulativas e pouco certeiras. E aí é que moram as oportunidades.
A primeira coisa a se entender é a relação da ordem dos times e suas necessidades. Escolher primeiro significa, naturalmente, ter a preferência em pegar o melhor jogador disponível. Muitas vezes, o melhor jogador disponível pode ser de uma posição não tão valiosa, ou pode ser de uma posição que a equipe não necessite, o que traz consigo a oportunidade de “trade down”, ou seja, de o time buscar “descer” no draft, trocando sua escolha para outra equipe que tiver um interesse maior naquela posição do draft, obviamente oferecendo um valor rico em escolhas e até em jogadores em troca. Muitos times usam disso para aumentarem sua carta de escolhas, o que pode ser muito valioso tanto na montagem profunda de elenco quanto como moeda de trocas futuras. Conseguir prever o que as franquias pretendem fazer é o primeiro passo para prever os prováveis eventos. Vamos analisar o caso prático:
Conforme citado anteriormente, os Panthers trocaram sua na época futura 1ª escolha de 2024 para ter vantagens em 2023. Os Bears, que possuíam a 1ª escolha de 2023 e, na época, tinham convicção em seu Quarterback Justin Fields, apostaram no que já tinham ao invés de escolher outro Quarterback. Enfim, coisas aconteceram, o time deu sorte de ficar novamente com uma 1ª escolha e, dessa vez, resolveram passar Justin Fields para frente, trocado na última semana. É evidente que Chicago escolherá um quarterback. O terreno foi arado, é a posição mais valiosa do esporte e o jogador mais cobiçado dessa classe é um Quarterback. A escolha aqui é tão óbvia que chega a ser inócuo criarmos um suspense: será Caleb Williams, de USC. Em seguida, as 3 escolhas seguintes estão perfiladas dessa forma:
2ª escolha: Washington Commanders
3ª escolha: New England Patriots
4ª escolha: Arizona Cardinals
Aqui que começamos a brincar com as informações que temos!
Vamos introduzir rapidamente: Washington e New England trocaram os seus Quarterbacks anteriores. Não que isso fosse um impeditivo, pelas suas qualidades questionáveis, mas é um sinal claro de que as equipes também araram o terreno para um novo QB. Portanto, podemos afirmar com uma altíssima chance de acerto de que teremos 3 QBs saindo em seguida para começar o draft. Mas é aqui que as oportunidades surgem: qual QB sairá para cada equipe? Após Caleb Williams, há incertezas sobre como os jogadores disponíveis da posição são avaliados. Costumeiramente, Drake Maye de North Carolina era o jogador mais associado como o segundo QB na lista de todos, mas a ascensão de Jayden Daniels de Louisiana State University, vencedor do Heisman dessa temporada (prêmio para o atleta universitário com o desempenho mais chamativo), trouxe consigo um debate que afetou diretamente nas cotações das casas de aposta sobre quem será a escolha de Washington. Na data dessa publicação, inclusive, Daniels está como favorito à escolha.
Aqui que entra todo o raciocínio que é necessário se ter para extrair valor desse mercado. Alguém dirá que “oras, se ele virou o favorito, deve ser ele a escolha, né? Não tem porque apostar contra, as casas sabem tudo, sabem alguma informação privilegiada.” Embora essa conclusão não seja, em regra, errada, nesse caso é uma presunção equivocada. Existem etapas cruciais para os times operarem com os atletas, a exemplo dos “pro days”, eventos que as faculdades recebem olheiros, general managers, técnicos e jornalistas com exibições de drills (exercícios simulados) dos atletas para, literalmente, exibirem-se àqueles que estão lá, além de permitir entrevistas entre essas pessoas e atletas. É uma etapa muito determinante na tomada de decisões das equipes. Portanto, Las Vegas não tem como ter uma assertividade clara sobre como o draft provavelmente se decorrerá nessa altura do calendário. E assim por diante, quanto mais adentrarmos no draft, mas imprevísivel será para todo mundo acertar, e imprevisibilidade é uma oportunidade para odds boas.
Embora não dê para afirmarmos categoricamente, seria muito surpreendente que Drake Maye e Jayden Daniels não sejam as 2ª e 3ª escolhas do draft, independente da ordem. Os Cardinals que vem logo em seguida deram todos os sinais de que continuarão com Kyler Murray, o que implica em dois cenários: escolherão o melhor jogador disponível (com um elenco deficitário que possuem, qualquer posição é vista como necessária) ou buscarão um time desesperado pela corrida de QBs que aceitará pagar um preço inflado para subir. Enfim, os cenários começam a surgir aqui, e naturalmente, como dito acima, saímos dum campo controlado e entramos num universo das possibilidades múltiplas. Ainda assim, uma escolha sensata aqui seria, caso fiquem na posição, draftarem Marvin Harrison Jr. de Ohio State, consenso como o o melhor jogador não quarterback da classe, ou Dallas Turner, melhor pass rusher, de Alabama. Outra opção seria uma aposta de troca com mais um QB saindo, provavelmente J.J. McCarthy de Michigan.
Além de mercados para acerto do jogador exato a sair em certa escolha, existem também mercados over/under sobre a quantidade de jogadores que sairão de uma certa posição no 1º round, ou se sairá jogador de certa posição na 1ª rodada. Embora não haja uma expectativa inicial de que um Running Back saia na 1ª rodada e que dificilmente alguém escolherá um Safety no 1º dia de draft, existe a opção de apostar para que saia ao menos 1, pagando uma odd considerável. Basta um time se apaixonar pelo potencial de um jogador dessa posição que a aposta se paga. E essas coisas acontecem. Não raramente.
Não negamos que existe um aspecto de sorte e adivinhação aqui. Felizmente, isso vale para todos. O Draft da NFL é marcado por várias escolhas surpreendentes, algo que faz com que o evento seja até hoje um dos momentos mais divertidos do calendário da liga. E essa imprevisibilidade é um prato cheio para aqueles que tiverem uma sensibilidade aguçada sobre o processo de cada time.